VEJO O QUE VEJO


0911054M
[escrito na última prova de física dos formandos 2005]

Vejo o rosto de cada um
Perdidos em lembranças que queriam esquecer
Lembrando de tristezas e amargores
De doenças e de dores
De dúvidas e temores
De ódios e amores
De espinhos e de flores
De perdas e valores
Que os fizeram ser o que são.


Vejo sorrisos e faces acabrunhadas
Vejo pessoas eretas e encurvadas
Vejo faces que escondem a dor
O temor, o tremor.

Vejo olhares perdidos no horizonte
Contemplando o capim que se espalha ao longe
Buscam ver o futuro que se esconde distante
Tentam lembrar do passado que se perdeu
Em sorrisos
Em lágrimas
Em labores
Em fugazes descansos.

Vejo olhares furtivos perdidos ao chão
Buscam encontrar o que os olhos não podem ver
Anteveem a saudade que vem de perder
O lugar que até aqui os acolheu
Ou os prendeu...
Buscam na mente as vozes e as cores
As sensações e os odores
Os amigos e os feitores
Que o tempo se encarregou de levar,
De esconder,
De esmagar,
Compactando pequeno no profundo da lembrança.

Vejo alegrias emergindo das canetas.
Vejo lábios se mexendo, revendo o que a memória já trouxe às folhas.
Onde estarão suas mentes?
Fechadas em quatro paredes
Do prédio escolar,
Do dormitório?

Lembrança presa ao chão quente da quadra,
No domingo à tarde
A chacota dos colegas por um saque errado.
A zoeira no refeitório por bandejas derrubadas.
A tristeza por haver perdido uma namorada.

Vejo os olhares perdidos no tempo
Turbilhão que se faz na memória
Mãos na testa pra prender a lembrança
Ou trazer à tona as que já se perderam.

Vejo mãos no queixo e olhares vazios
Vejo canetas na boca à espera da imagem
Vejo crianças perdidas nas lembranças que emergem
Vejo crianças adultas que surgiram com o tempo.

Tempo amargo que me fez ver...
Tempo amargo que me fez sofrer...
Tempo sofrido que me amargou...
Tempo perdido que me envelheceu,
E me enterneceu,
Me transformou naquilo que sou
Ou só me firmou no que eu nunca quis.

Vejo faces de preocupação
Vejo canetas furiosas a correr pelo papel
Despejando lembranças
Reais ou imaginadas
Vistas ou pensadas
Alegrias e tristezas que se perderam no tempo.

É o que vejo.

Vejo o que vejo.

Eles não olham para mim
Só se perdem em lembranças sem fim
E, quando tudo isso acabar
Verão que não se lembraram
De tudo que queriam lembrar.

Vejo o que vejo.
É o que posso ver...
É o que posso ter...
É o que posso ser.

Mas nunca vou ser...
Você.

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