0710045N
Vejo a dor; a morte é
minha companhia
Sinto-a à cabeceira de
minha cama, velando
Como quem guarda a
presa preciosa,
Como quem espera um
fruto amadurecer,
E o olha, dia a dia.
Às vezes sinto seu
toque, seu afago, como quem canta uma canção de ninar
Para embalar o meu
sono, fazendo-me forte para o definhar
Como para que se torne
mais longa a espera, e mais penosa a partida.
É como a um filho
querido que pousa sobre mim os olhos,
Anelando minha
companhia.
Sinto a dor. A morte é
minha agonia.
O respiro difícil. O
aquecimento. O cansaço incessante.
A dor que vem e que
volta, misteriosa, inexplicável,
Indetectável,
inexaurível, surpreendente.
Sinto sua mão, como
sobre minha boca, num leve toque do indicador,
A pedir silêncio. Como
quem diz: “Cala-te, que tua hora chega;
Por que te apressarias?
Por que falarias, se em breve passarás?
Não vale à pena...”
Ouço seu sussurro, no
ruído das folhas que caem,
No vento que me afaga
na sala do descanso, no intervalo.
Sinto seus passos, com
os meus, toda vez que lembro da água
Que me refresca, que
revive, que me faz respirar.
Vejo a marca de sua mão
em cada copo.
Como mãe que dá de
beber ao filho doente.
Lhe apóia com a mão a
cabeça e, com a outra, traz-lhe ao sorvo
O cálice que lhe
alivia a dor, o cansaço, a falta de esperança.
Sinto-a em cada
respirar difícil, em cada remédio, em cada limitação.
Ouço-a falar a mim:
“Que tens? Por que te apressas? Tua hora chega,
Não precisas chamá-la.
Venho a ti, e te trarei a noite do sono;
Não mais sede à
noite, não mais inquietação. Estarei aqui,
Quando a hora
chegar...”
Sinto saudades de casa.
Só não sei bem de onde.
Queria que ela não
estivesse lá a me esperar.
Mas está em todos os
lugares, até dentro de mim,
Me exaurindo, me
consumindo, me asfixiando.
De algum modo, penso em
tê-la como eterna companhia
Sem ter que apertar-lhe
a mão, ou estreitá-la em um abraço...
Eu vivo!
“Que tens?”
Eu respiro!
“Por que te
apressas?”
Eu estou!
“...descansas?”
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